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Não olhe para cima

O ano de 2022 mal começou e já temos um filme que é uma sátira perfeita do nosso tempo. Trata-se de "Não olhe para cima", sucesso do momento da Netflix. O filme conquistou um feito inédito no streaming, ao se tornar o longa-metragem com mais horas assistidas em uma semana. No filme, uma dupla de cientistas descobre, por acaso, um cometa gigante em rota de colisão com a Terra. A tentativa deles de avisar a presidente dos Estados Unidos é recebida, inicialmente, com descaso por pertencerem a uma universidade não renomada.

Com a confirmação do futuro evento por parte de cientistas de universidades famosas, têm início uma campanha incentivando os céticos a olharem para cima. Em contraposição, o governo lança outra campanha com o título "Não olhe para cima", que vem a dar o nome do filme. É difícil de acreditar que o roteiro do filme tenha sido escrito antes da pandemia, como afirmou seu diretor. Ele teria apenas acrescentado uma visão irônica dos posicionamentos e decisões políticas norte-americana no combate ao coronavírus. Porém, as semelhanças são muitas.

Para início de conversa, se substituirmos o cometa pela Covid-19 teremos a grande ameaça do atual momento: o negacionismo. Com efeito, existe hoje uma parcela da população (seja nos EUA, seja no Brasil) que nega a ciência e acredita na eficiência de métodos sem comprovação científica, quer por ignorância, quer por interesses econômicos ou ideológicos. Mesmo com os resultados altamente positivos da vacinação, com a queda drástica no número de mortos ou internações, essas mesmas pessoas continuam a espalhar fake News e se negam a se vacinar. Caso do tenista sérvio nº 1 do mundo, Novak Djokovic, que foi barrado na Austrália por não estar vacinado. Por essa razão, a variante Ômicron está encontrando tanta facilidade para se espalhar, mesmo em países com excedentes de vacina.

E o que dizer da presidente fictícia dos Estados Unidos, que está mais preocupada com os escândalos políticos do que em salvar a população? Retrato fiel tanto de Donald Trump quanto de Jair Bolsonaro. Lá, nos EUA, menos mal que Trump foi mandado embora. Já aqui, no Brasil, temos que aturar Bolsonaro, quase todo dia, a fazer acusações falsas, espalhar fake news e atacar as instituições. Se não ajuda, pelo menos, poderia não atrapalhar.

Exemplo: o caso da vacinação de crianças de 5 a 11 anos. Desde o início, Bolsonaro (que não se vacinou) disse que também não vacinaria sua filha que está nessa faixa etária. Mais ainda, defendeu que precisava de receita médica para tomar a vacina. Em paralelo, o Ministério da Saúde articulou uma absurda consulta pública para atrasar a vacinação, mesmo já existindo um parecer favorável da Anvisa - órgão responsável, por lei, a tomar essa decisão. Derrotado na própria consulta que articulou, Bolsonaro levantou suspeita de "outros interesses" por parte de Anvisa (sem provas, como de hábito) e culpou os "tarados por vacina". Seria cômico se não fosse trágico!

Num dos pontos altos do filme, um empresário inovador (espécie de réplica de Steve Jobs) faz um entusiasmado discurso sobre a descoberta, dentro do cometa, de materiais escassos que poderiam dar uma vantagem econômica ao país em relação a outros competidores (chineses). Imediatamente, a comissão encarregada de defender a Terra, muda de posição e não quer mais destruir o cometa. Perplexo, o cientista tenta explicar o absurdo da situação, já nada disso teria importância porque o nosso planeta deixaria de existir.

Dá para relacionar a falta de lógica dos membros dessa comissão no filme com a posição de muitos empresários e políticos brasileiros. Contrários ao confinamento (lockdown), que inclusive foi a única forma de controlar a doença antes da descoberta da vacina, eles argumentavam: isso seria mau para os negócios. Ou seja, puro nonsense!

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